Ele chegou na beirada da falésia e sentiu vertigem antes mesmo de olhar para baixo. Tontura, tremedeira, medo. Segurou-se com firmeza nas pedras para não correr o menor risco de cair em direção ao chicotear bélico das ondas.
E ali permaneceu. Olhou para cima e admirou o céu. Dava para ver toda a vastidão. Ao mirar para o alto, os olhos não ficavam turvos, a respiração não se intensificava, o horror não invadia seus olhos. Pelo contrário: olhar para o céu era como paralisar o tempo e bailar no infinito. Mesmo as nuvens de tempestade tinham um quê de leveza, como um balé ordenado em meio ao caos.
Da falésia via-se tudo: o horizonte e seus convites que chegavam em forma de ecos e luzes, as nuvens acolchoadas e delicadas a valsar no infinito, as máquinas voadoras a desenhar riscas brutas, as asas a planarem nos voos mais graciosos e a darem sacolejos nos voos mais intensos.
Olhou para as próprias asas. Seria capaz de fazer o mesmo? Seria capaz de planar no azul entorpecente?
Em caso de queda, o azul seria outro. Esverdeado de musgos, brutal, incandescente, aterrorizante como a morte. Como podia haver tal dicotomia? Logo abaixo do encantamento do céu, a monstruosidade torturante das águas que açoitam quem ousar se aproximar. Como pode haver tamanha sedução do firmamento em contraste com a violência insistente de águas capazes de fazer desmoronar a montanha mais sólida?
Medo, desespero, terror, pânico.
Decidiu esperar para reunir coragem. Quem espera sempre alcança, e esperar não dói, não machuca, não mata.
A permanência é dessas coisas que também encantam. A beleza de estar e de olhar é admirável. Ao embrenhar-se na nesga de fratura da rocha, encolheu-se. Acabrunhar-se nas entranhas e olhar para fora pareceu uma boa solução temporária.
E os músculos se atrofiaram. O espaço dado ao medo se estendeu do campo das ideias ao campo da realidade. Para além do temor, o despreparo se engrandeceu e a força se definhou.
A cada novo dia igual ao dia anterior, de céu azul das mais diversas tonalidades, de alvoradas e crepúsculos cor de argila, era possível olhar para os lados. E do lado de lá, viu outro igualzinho a ele. Na verdade, um pouco diferente. Mais miúdo, mais mirrado, de feições delgadas.
O outro pulou.
Pulou repentinamente: sem pensar, sem ponderar, sem hesitar. Estaria fadado a afundar-se no inferno ondulante e dar cabo à vida miserável?
Mas um turbilhão de tremeliques começou a impulsionar o ar. O bater de asas é capaz de milagres.
Faltavam poucos metros para o miúdo estatelar-se nas águas quando a mais inesperada resposta da natureza se fez diante dos poucos olhos a testemunharem a cena.
Zum. O rasante. A resistência do ar. A subida gradativa que o afasta do oceano e leva em direção à abóbada celeste.
A ousadia venceu o temor.
Assistir a um exemplo como esse pedia por resposta à altura. Sua hora tinha que chegar. Porque depois de algum tempo, esperar demais dói. Machuca. Será que mata?
Olhou para baixo e a visão se turvou. As ondas estavam especialmente irritadas naquele dia.
Respirou fundo.
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Amei! É um pássaro? Uma alma? Minha alma? A alma do escritor? Tive a experiencia de ir à beira de uma falésia, e minha alma fez o mesmo....