Amigos de viagens
Mais um texto do caderninho: o sexto a ser publicado, e o primeiro que transcrevi para enviar a amigos. É meio poético e meio confuso, mas acho que a emoção dele é bem genuína.
Acreditava que existiam dois tipos de amigos. Os de casa – da infância – e os amigos de viagens. Amigo de casa era amigo imutável, das mesmas piadas e dos mesmos lugares, das histórias infindáveis e do período de formação. Como era bom ter amigos que nos conheceram na infância! Amigo de viagem era inconstante como as estações de trem, respingo de lembrança na memória. Fazer amigos de viagem era como acrescentar tempero na panela.
Então lembrou-se de que o tempo era ilusão. Que apenas a quantidade de horas não podia ser base matemática para definir qualquer coisa. E que o amigo de décadas poderia somar dias e meses e anos de cervejas e cachaças que podiam simbolizar um abismo de nadas e vazios, enquanto poucos minutos já seriam suficientes para mudar rumos de pensamentos e decisões.
Então visualizou o rumo da vida como o de um barco à vela em busca do destino final incerto e anônimo como uma ilha da Polinésia que muda de lugar a cada tremor tectônico. O barco era mudado e influenciado por todos os ventos a soprar, ondas a resvalar. E o bater de asas da borboleta do passado virava o tornado no futuro, em um ambiente no qual tempo e espaço se confundiam em meio a outras dimensões invisíveis à percepção humana.
E o café paulistano veio com cheiro de churrasco colombiano no frio europeu, e as conversas das madrugadas se tornaram silenciosas como o milissegundo que antecedia o alarme da escola. E abraços vinham com impacto de um jogo de futebol na praia. E o passado parecia um futuro que nunca ocorreria, ao mesmo tempo em que o presente se transmutava em um futuro do pretérito consolidado por meio das palavras.
Foi apenas neste momento paradoxalmente atemporal que percebeu que, na jornada da vida, não existiam dois tipos. Nem dois tipos de viagem, nem dois tipos de amigos. O que é a vida senão uma grande viagem? Mudou de ideia.
Todos os amigos eram amigos de viagem. Porque a inconstância do efêmero era tão eterna quanto a perenidade do habitual.
Já que não se mede a vida por minutos vividos, que sejam sempre valorizados os instantes e pessoas que fizeram sentir-nos infinitos.
Amigo de viagens e amigo da vida <3