Uma “trend” do Instagram surgiu alguns dias atrás. A frase “como vou ser triste” (e variações que alternam o tempo verbal e a ordem das palavras) surge nos stories devidamente acompanhada de inúmeras fotos das pessoas em viagens, passeios, festas e outros momentos alegres vividos ao longo do ano.
É claro que o objetivo das pessoas é, na maioria das vezes, apenas recordar os bons momentos, reforçando o lado positivo de 2024, talvez para lembrarem a si mesmas que nem tudo foi o drama que geralmente ganha os holofotes da nossa mente. Ah, e é claro que a ostentação também é indissociável da rede social: todos nós estamos sempre ostentando nossas viagens, nossos amigos, nosso gosto musical, ou o que quer que tenhamos para mostrar ao mundo.
O influenciador Luca Scarpelli fez até um vídeo lembrando que é possível ter feito coisas boas ao longo do ano e ainda estar triste. Ele chamou de “feliste” o conceito de ser feliz e triste ao mesmo tempo. De fato, é importante relembrar às pessoas que a tal ditadura da felicidade existe e pode nos fazer mal. Afinal, nem todo mundo teve um bom ano, nem todo mundo fez coisas incríveis, e nem todo mundo se sente feliz apenas porque foi ao show do Harry Styles e visitou a vovó em Águas de Lindoya.
Se chorei ou se sorri
Uma das coisas que mais gosto de fazer no final do ano é assistir às retrospectivas. Canais do Youtube relembram os melhores filmes, falam dos melhores memes, outros fazem montagens excelentes (eu adoro os vídeos do canal Vox)… e confesso que eu fico ansioso para assistir à famosa retrospectiva da Globo (mesmo com a dicção exagerada da Sandra Annenberg).
Paradoxalmente, eu perdi o hábito de fazer minhas retrospectivas próprias. Não fico olhando para trás, não me preocupo em elencar os melhores momentos, as dificuldades, ou os objetivos não alcançados – que sempre são muitos. E também não costumo fazer lista de filmes vistos, livros lidos ou coisa parecida – “Este livro foi lido no ano passado ou dois anos atrás? Não me lembro”.
Talvez seja minha forma de fugir da realidade. Elencar os melhores filmes e melhores livros do ano pode ser uma forma muito eficaz de aumentar o tal FOMO (fear of missing out) e estimular a ansiedade para assistir mais, ler mais, consumir mais – “Caramba, eu perdi o filme X do diretor Y, sou uma fraude!”. Ultimamente, no entanto, desde que parei de gravar o podcast Cinem(ação) toda semana, confesso que me libertei desse sentimento de obrigatoriedade em assistir todos os filmes – e confesso que me sinto feliz, em certa medida, por não ter visto “Deadpool & Wolverine” ou “Aquaman 2”, entre outros filmes desnecessários. “Ah, mas é divertido”, diz o outro. Sem problemas. Que bom que você viu, eu não vi, e tudo bem.
Mesmo assim, fazer uma retrospectiva do ano me parecia sempre irrelevante, mas o fato é que eu desenvolvi um medo. Medo de me deparar com derrotas. Medo de confrontar insatisfações. Medo de encarar os fracassos. Sempre com a desculpa de que precisamos olhar para frente. E aí, essas simples “trends” de redes sociais me fazem lembrar que conhecer o passado é fundamental para não repeti-lo: essa realidade sobre o estudo da História de uma nação também funciona no âmbito pessoal.
Lembro-me de quando criei uma expectativa altíssima para uma possibilidade que envolvia uma grande mudança, mas minha inscrição foi negada. Eu não pensei nem mesmo por alguns minutos sobre essa negativa, e comecei imediatamente a traçar novos planos. E por mais que esse posicionamento pareça positivo, visto que é preciso transformar nossa energia em ação para o futuro, precisamos nos dedicar ao sofrimento, também. É preciso viver o luto. É preciso chorar as mágoas. Suprimir os sentimentos negativos é uma forma de nos escondermos de nós mesmos.
Então, aprendi que é bom fazer retrospectivas do ano que termina. Não tem necessidade de publicar na rede social, nem transformar o processo em espetáculo-ostentação. Basta apenas refletir sobre o que passou, as metas cumpridas e não cumpridas, os sonhos transformados e as expectativas engolidas pela rotina.
Com isso, descubro que fui feliz e fui triste. Que fiz muito, mas não fiz tudo. Que melhorei em alguns aspectos, fiquei estagnado em outros. E foi assim com (quase) todo mundo, a despeito das vitórias que muitos escancaram nas redes sociais, onde sempre postamos “as cachaça que nóis bebe” e nunca postamos “os tombo que nóis toma”.
Só assim, depois de olhar para o passado, podemos mirar no horizonte e partir com determinação rumo ao próximo ano.
Para finalizar:
Qual balanço você faz do ano de 2024? Qual foi o melhor momento?
Eu sempre escrevo uma carta pra minha eu de daqui um ano. Posso falar nela do q passou ou do que espero pro futuro, do que tô pensando no momento, é meio que livre. Algo muito pessoal que só fará sentido pra mim mesmo. Ao longo dos anos tenho relido as antigas e é muito legal. Acho que num mundo onde ostentar é fácil e rápido com redes sociais, luxo mesmo é fazer algo privado de vc pra vc mesma(o).
Eu já falei que amo como estamos sincronizados? Mais ou menos o que você escreveu tem rondado a minha cabeça e estava pensando em escrever sobre.
E sim, concordo: essa trend foi longe demais.