Começo a escrever estas palavras no dia em que faço aniversário. “Como você se sente agora com 38 anos?”, me perguntaram. Como se a mudança de idade fosse abrupta, tal qual um Pokémon evoluindo repentinamente de um bichinho fofo para um monstrengo parecido com um projeto de design que recebeu muitos pedidos de mudança do cliente.
Eu me sinto como me sentia antes.
Porque ninguém envelhece de um dia para o outro. O que nos envelhece e nos torna mais maduros não são as velinhas do bolo ou as canções de “Parabéns a Você”.
Entre um aniversário e outro, temos (quase sempre) 365 dias. Destes, cerca de 300 dias (em um cálculo grosseiro) são dias de trabalho. Dias em que passamos mais horas do que gostaríamos fazendo coisas que, com sorte, trarão algum dinheiro a ser gasto nos outros 65 dias. É nesses dias que a vida se esvai, e o tempo que nos resta se transforma em vapor de banheiro que se dissipa na janela aberta.
Mas não quero olhar para isso com pessimismo. Não agora. Quero celebrar a vida como algo que irradia luz até mesmo nos acontecimentos mais ordinários. Porque nós não envelhecemos apenas no aniversário e não nos tornamos mais experientes com os eventos marcantes. Também faz parte do envelhecimento sentir o calor do sol na quarta-feira à tarde. Também envelhecemos quando tomamos o café forte enquanto nos estressamos com o noticiário. É vida que vivemos cada leitura na rede social, cada história que acompanhamos em uma tela.
Envelhecemos nos abraços, nos beijos, nos amores, nas viagens e nos momentos especiais. Mas também envelhecemos no abrir diário das janelas, no lavar das louças e panelas, no regar das plantas que ressecam sob o sol.
Em 366 dias (ano bissexto, diz o calendário gregoriano), eu senti o vento do fim de tarde refrescar minha pele após os exercícios abafados. Tive insônias breves catalisadas por incômodos profundos evocados na madrugada. Sofrer também é viver: é seguir no mundo como um corpo que vibra com os humores da terra, que treme com o chacoalhar das emoções.
Isso é envelhecer.
Não discordo daquelas falas batidas sobre a experiência de estar vivo. “Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas”, diz o trecho repetido aos cântaros. Tem aquele trecho de Charles Chaplin que compara a vida a uma peça de teatro. “Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”, disse o cineasta no livro ‘Charlie Chaplin: Interviews’ (quase ninguém cita a fonte).
Mas são ideias óbvias. É evidente que o viver requer coragem, que viajar faz bem à alma. É claro que é melhor que o trabalho nos dê algum prazer. Todos sabemos que o melhor da vida não está “na quantidade de vezes que respiramos, mas nos momentos que nos deixam sem fôlego” (aí! mais uma dessas frases bonitas que dizem nos posts de redes sociais!).
Mas quantas vezes você degustou o chá que bebia na terça-feira à noite? Quantas vezes sentiu o frescor da água após voltar da corrida? Quantas vezes sorriu levemente ao ver uma criança brincar no parquinho? Viver é isso, também. Ficar de barriga cheia numa quarta-feira de almoço tardio, bater o dedinho na quina da mesa para lembrar que seu corpo é feito de nervos, chorar com aquela música bonita no fone de ouvido em pleno terminal rodoviário. Deitar as costas cansadas na cama com um bom livro nas mãos, mesmo sabendo que não vai passar de duas páginas antes de fechar os olhos.
Envelhecer é inevitável se queremos viver. E a vida não é só aqui e ali, não é só de vez em quando. É todo o tempo.
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Dica final:
Assista ao filme Motel Destino! Está em cartaz nos cinemas e vale a pena ver. Karim Aïnouz é sempre ótimo. Valorize o cinema nacional, aquela coisa toda.
A parte que eu mais gosto é que tô envelhecendo com você como amigo. A gente ainda vai viajar muito juntos, ce sabe né?
Parabéns pelo novo ciclo e por esse texto lindo. Te amo <3
Não sei vc Dani, mas eu vou fazer 42 no fim do ano e na minha cabeça parece q vou fazer 40 agora. Os anos da pandemia parece q foram removidos da minha cabeça nesse sentido. É algo q não sei nem explicar. Mesmo eu tendo vivido eles parece que foram 2 anos que não vivi.