Tenho algumas ideias para aplicar aqui na Newsletter, mas não será agora. Eu estava dando uma olhada nos “textos do caderninho” (que eu escrevi à mão em um caderno há algum tempo) e decidi publicar dois deles, bem curtos. O primeiro fala sobre amor, e o segundo sobre o mundo selvagem que nos pisoteia.
São os dois últimos textos transcritos para o computador. Considerando que os textos seguintes não eram dos mais inspirados, se não me falha a memória, talvez sejam os últimos.
ps: os textos não têm título
1)
Sentia que aquilo que sentia era amor. Não aquele amor profundo, talvez, mas amor. De alguma forma. Qualquer amor já é um descanso na loucura, diria o sábio Guimarães Rosa, ou Riobaldo, ou ambos. O amor, ele acompanha. Você sai de trem, pega o voo, muda de cidade, e o amor vai ficando. Nem sempre ele dói, nem sempre ele precisa se manifestar, ou se consumar de alguma forma. Mas ele fica. Se aloja como uma orquídea abraça o tronco da árvore. Amor pode também pode ser sublimado, com arte, com escrita. Arte é uma forma de amor. E consideramos justa toda forma de amor, como diria Lulu Santos, que não é sábio, mas sabe tanto que até prefere esconder. E se o amor é orquídea, gera flores. É como se a orquídea amasse a árvore, mas não recebesse o amor de volta. Mas como o amor fica, surge a flor. Porque só amar já é algo belo. Só amar já permite que a vida não seja em vão. Ser correspondido exige ficar, permanecer, criar raízes, como a tal da orquídea. E nesse caso, o amor cria raízes em quem o sente. E vai ficando. E dá saudade. Não a saudade que dói. A saudade boa. Saudade é sentimento que a gente finge que não está. E quando vê, passa. Volta depois, mas passa de novo. E fica assim, fazendo visita. Porque coisa que a gente sente não é simples. Tem que sentir que sente. E decidir o nome praquilo. Tem coisa que não tem nome. Mas tem coisa que tem nome, sim. E o nome daquilo era amor.
2)
A mariposa estava estatelada no chão, amassada, morta. Era cidade grande, e cidade grande amassa insetos. Pisoteia o que é fraco, sem dó, sem sentir. Cidade grande é tsunami de gente, de carro, de tudo. É coisa que anestesia a gente, que vai só seguindo adiante. Quer acreditar nos outros, sorrir a quem passa, mas basta uma fraqueza e querem se aproveitar, pedir por mais, implorar pela sua alma, pisar, amassar. Não sobra espaço pra fraqueza. Os moradores de rua armavam suas pequenas cabanas debaixo das marquises, como quem espera pela neve, só eles sabem o frio que se pode sentir na madrugada. Dois homens se beijavam apaixonadamente à beira da escada do metrô, quiçá se despedindo antes do último trem, caminhos que se descruzam diante de tantas casas, tantos bairros, para se cruzarem mais tarde, ou outro dia, após uma mensagem no whats. Descolados pegavam café na Starbucks, todos caros, pagos no débito. Pediu uma bebida quente, e se lembrou da doçura da vida que antes não trazia problemas. Quando não tinha fantasmas atormentando o sono, era tudo mais fácil. Agora, encontrava distração no concreto da capital, no cinza da metrópole. Distração, porque consolo já não encontrava em nenhum local, nenhum colo, nenhum ombro. O abandono era só o que existia em sua história recente. Junto com ele, a falta de amor, tanto dos outros quanto de si próprio. Depressão, ausência de conversas verdadeiras, pensamentos terríveis sobre a vida – ou a ausência dela. Por isso, se distraía. Ocupava os ouvidos com vozes pouco acalentadoras. Poluía a vista com qualquer entretenimento. E seguia. E tentava ser forte. E respirava, e pensava nos tantos amores à beira das escadas, nas tantas vidas destruídas, desconstruídas e reconstruídas após cabanas de papelão em madrugadas cinzas. E contava trocados, e respirava fundo, e seguia adiante tentando ser forte. Fingindo ser forte. Porque, afinal, na cidade grande não tinha espaço para ser fraco. Lá, os insetos eram esmagados por máquinas displicentes. O segredo era não se permitir ser amassado, morrer pisado, como uma mariposa. Para isso, precisaria voar.
Esse do amor acabou comigo (mas no bom sentido). Amo você, Dani.