Olha pai, olha o que eu sei fazer.
O pai não deu muita atenção. O que é, filha?
A menina soltava risinhos enquanto saltitava por entre os brinquedos espalhados pelo chão. Uma boneca sem roupa, com o corpo todo de pano, permanecia estatelada no piso, ao lado de uma estrutura retorcida que outrora teria sido uma bela casa da Barbie. Próximo deles, a metade de um bambolê – cuja outra metade havia desaparecido misteriosamente – contornava uma sequência de Barbies descabeladas e enroladas em plástico filme, juntas de um tricerátops com o chifre direito amputado.
Muito bem, filha. Ele voltou os olhos para o celular, onde notícias passavam rapidamente.
Olha, pai, olha o que eu consigo fazer.
Muito legal, minha linda, dizia ele, o tom da voz denotando indiferença.
Uma notícia que ele havia pulado por parecer fake news começou a se repetir na rolagem de tela infinita. Vídeos no TikTok mostravam cenas que poderiam ter sido feitas em Hollywood, ou talvez por uma Inteligência Artificial intoxicada de ecstasy, caso robôs pudessem se drogar.
Olha pai, olha o que eu sei fazer.
Invasão Extraterrestre, dizia a chamada do jornal on-line. Invasão Alienígena, dizia a página de notícias urgentes. Vídeos de pessoas desesperadas no Instagram.
Olha isso, pai, olha o que eu consigo fazer.
Aturdido, ele nem olhava para a criança. Não respondeu. Os olhos vidrados no aparelho.
Olha, pai, olha, pai, olha papai, olha.
Ele não olhou. Na tela, ele assistia a criaturas amareladas que desciam aos montes de blocos vermelhos no céu, que pareciam tijolos pairando no ar. Seria uma pegadinha super estruturada dos amigos? Não podia ser.
No aplicativo de mensagens, começaram a surgir notificações em profusão. O aparelho vibrava com uma frequência inédita. “Alguém me explica?”, ele conseguiu ler no pop-up que piscou rapidamente no topo da tela.
Olha, pai, olha o que eu consigo fazer.
Dessa vez, a voz da filha parecia vir do alto. Devia ser só impressão. Os ouvidos tinham ficado abafados com o susto, o medo, a incredulidade.
OLHA, PAI!
Foi um berro. Muito alto. Mais grave do que o normal.
Assustado, ele olhou.
Não para o quadradinho de tatame em forma de quebra-cabeças onde estavam parte dos brinquedos, mas para o teto da sala.
Ela estava lá. Flutuando.
Sua filha de cinco anos estava pairando no ar.
Ele ficou imóvel.
Uma espécie de fumaça dourada parecia puxá-la em direção à sacada. E sua filha ia flutuando, cruzando o batente da sacada do quarto andar.
Olha, pai. Olha que legal.
Quando ela passava por cima da grade, ele se levantou de impulso, como se pudesse pegá-la no ar em caso de uma queda abrupta.
Quando chegou no parapeito da sacada, ela já estava na altura do quinto andar, uns dez metros de distância do apartamento.
Eles estão me chamando, disse ela. Eu preciso ir. Sua voz soava mais madura, um pouco mais grave.
O pai não sabia o que dizer, nem como reagir diante do acontecimento bizarro e inesperado. Ele ficou apenas lá, embasbacado.
Olhando.
Gostou do miniconto?
Quero tentar escrever mais desses tipos de texto aqui no Substack, embora eu também pretenda manter as reflexões e textos pessoais.
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Eu não adorei, eu amei! Achei incrível, Dani!!! Escreva mais minicontos :))
E me lembrou muito de um curta da Disney chamado Float. Mas foi para um caminho bem diferente. Incrível!!