Eu adoro a palavra vicissitude. Segundo o dicionário Priberam, ela é uma “mudança ou diversidade de coisas que se sucedem. Alternativa, variação. Revés. Eventualidade, acaso.”
Para mim, vicissitude é algo bonito porque não é necessariamente bom, nem ruim. São as coisas que acontecem – na vida, em um determinado lugar, em uma circunstância. (neste momento, o Word sublinha a palavra de roxo e pede que eu “considere a substituição de palavras complexas”, indicando sinônimos como Adversidades, Eventualidades, Variabilidades).
Vicissitude tem sonoridade. Tem sílabas sequenciais que sibilam.
Eu também adoro a palavra idiossincrasia. O Priberam mostra um primeiro significado da área da medicina: “predisposição particular de um organismo para reagir de maneira individual a um estímulo ou agente externo”. Depois, o dicionário acrescenta: “característica peculiar do temperamento ou do comportamento de uma pessoa ou de um grupo. Maneira de agir específica de uma pessoa”.
De primeira, idiossincrasia parece um palavrão, mas que tem um “sim” no meio que muda tudo. “Idio” nos lembra idiota, que é algo negativo, e azia é um sintoma desagradável, mas idiossincrasia é neutro: pode ser negativo ou positivo. Cada um tem a sua. (o Word também sugere remover a idiossincrasia e trocar por peculiaridade, o que não é a mesma coisa).
Eu só me lembrei dessas palavras porque ouvi um mundaréu de pensamentos sobre o português.
No monólogo O Céu da Língua, o ator e comediante graduado em Letras Gregório Duvivier faz um grande monólogo cheio de observações curiosas sobre a língua portuguesa, análises linguísticas espirituosas e, é claro, piadas das mais diversas. Tudo isso com poesia e momentos dramáticos belíssimos.
Duvivier recita poemas decassílabos, analisa os diferentes nomes do pássaro “Bem-te-vi” (que vai de “Triste-Vida” em alguns locais do Brasil a “Victor Diaz” para falantes de espanhol), comenta como as palavras são sempre roubadas de outras línguas.
Reflexões interessantes e poéticas surgem quando ele fala sobre a existência de palavras específicas de algumas línguas para coisas que, mesmo existindo em todos os lugares, ganham mais atenção na cultura em que ganham esses nomes. Um exemplo é o “culaccino”, nome italiano para a marca de água que os copos de bebida gelada deixam na mesa.
No Brasil, além da famosa “saudade”, Duvivier nos lembra que temos também o termo “despedida”, um substantivo específico para o momento de se dar adeus, ou “farewell”, no inglês. Saudade... despedida... só podia vir mesmo dessa língua criada por aquele povo que saída de barco para colonizar o mundo, deixando para trás aqueles que mais tarde teriam que suportar a dor e depois transformar tudo em Fado.
Outra coisa que só tem no português – e, mais especificamente, o brasileiro – é o diminutivo que muda o sentido da palavra. Agorinha é mais do que agora; covinha é, diferente da cova, algo agradável; e tem até diminutivo de verbo: namorandinho, correndinho.
Vale a pena assistir à peça O Céu da Língua. Estava com sessões lotadas, mas logo deve voltar a ter mais temporadas.
Desvirtuando o Duvivier = desvivier
Na peça do Gregório Duvivier, ele fala das palavras que só vêm acompanhadas. O “ledo” só vem acompanhado de “engano”. O “caudaloso” só serve para descrever o rio. E a palavra “frondosa” sempre caracteriza a árvore. Quero acrescentar também o crasso, que é sempre um erro (não me lembro se ele fala disso).
Mas já faz algum tempo que eu tento trabalhar com construções de palavras que possam descrever cenas e imagens de forma mais poética, mais interessante e menos óbvia. Aprendi bastante lendo a Fabiane Guimarães, que acompanho por aqui. Recentemente, fiquei orgulhoso de mim mesmo na escrita de um conto (que devo melhorar em breve), em que o personagem entra em uma taverna e é “embebido pelo jato quente de batuques”.
Então me pergunto: por que não separar as palavras acompanhadas? Por que não usar crasso longe do erro, ledo longe do engano? As palavras que se virem para encontrar novas companhias! Encontrar essas companhias novas é uma vicissitude da prática da escrita e ajuda a definir as idiossincrasias do escritor.
Quem sabe um dia eu não escreva um conto sobre uma pessoa com uma doença crassa? Talvez uma paisagem possa ser invadida algum dia por ventos caudalosos. Ou um personagem pode sentir uma esperança frondosa. Se bem escrito, será um ledo acerto!
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